Crônica - A Maluquinha do Cinema


Liguei para uma. "Não posso." Pra outra. "Tenho aula." E outra. "Amanhã acordo cedo." Tudo bem. Eu quero e pronto. Resolvi ir no cinema sozinho. Nada demais, às vezes a gente só quer mesmo companhia, não um programinha de casal. Já tinha ido no cinema sozinho outras vezes. É bom chegar, sentar, receber algumas informações, ficar com a cabeça borbulhando de ideias, sem ter aquele alguém do seu lado para compartilhar ou perguntar: "Hummm... Então ele é o assassino?", quando eu nem havia me dado conta disso.

Comprei um saco de pipocas imenso e um copo de refrigerante com quase um litro, diet, mas se fosse normal também não teria problemas, mas era só para não me sentir desamparado. Entrei na sala uns dez minutos antes do filme começar e escolhi a poltrona bem no meio de tudo, o centro geográfico, tanto latitude como longitudinalmente. Na fileira acima da que eu escolhi, tinha uma guria, também sozinha. Cara de maluquinha. Uns 22 anos, oculinhos  tipo Marília Gabriela ou Chris Flores, cabelo na altura do ombros, camiseta do Calvin & Haroldo, caixinha de bis no colo e uma caixinha de suco nas mãos. Não era feia, mas algo dizia ali que não queria ser bonita. Ao sentar cumprimentei-a de olhos, devo ter sorrido, não sei, e sentei na poltrona escolhida.

O ar-condicionado estava forte e o vento vinha direto na minha posição. Coloquei minha jaqueta, desliguei o celular, a luz começou a esmaecer, encontrei uma posição boa e pronto, lá estava eu para minha sessão quase particular de cinema. O filme estava no começo, quando ouvi o som do celular tocando. A maluquinha da fila de trás esqueceu de desligar. Não satisfeita, depois de uns vinte segundos de toque, ela ainda atende e conversa.

"- Oi amor, tô no cinema... É, vendo aquele filme que você não quis ver... Tô sozinha, não vim com ninguém não. Deixei as suas chaves com a sua mãe. Como foi o ensaio da banda com seus amigos? Deve ter ficado muito bom..."

Nossa! Aquilo já era demais pra mim. Mandei um "xiii" e ela desligou o celular. O filme continuava. O enredo é legal, mas se o diretor não souber conduzir, bota tudo a perder no meio do filme. Não disse? Se perdeu. Que droga de filme. Pior que os piruás que ficaram no fundo do meu saco de pipocas. Queria mais pipoca. Celular tocando. De quem? Acertou. Da menina maluquinha:

"- Oi (...), não, amor, ainda não acabou. (...) Poxa, você não queria ver, agora não briga comigo. (...) Tô só vendo o filme. (...) não chamei porque você não queria ver (...) e também você estava no ensaio da sua banda..."

O filme estava tosco, eu estava tenso, e a maluquinha ainda vem com os problemas dela? Merece mesmo um namorado chato e sem educação. Onde ela arranjou esse sem-noção? O que esse povo tem na cabeça para atender o celular e ficar conversando no cinema? No futuro poderiam tirar dos bebês os genes que deixariam eles sem-noção, se é que eles existam. Isso é básico. Já deveria fazer parte da cultura, do inconsciente coletivo, dos livros didáticos. Odeio ficar ouvindo comentários alheios. Ninguém gosta, aliás! Ninguém quer um Galvão Bueno narrando todo o filme. Aliás, ninguém gosta do Galvão Bueno. E quando é casal, então? Sempre tem uma menina com aquela voz dengosa que faz uma pergunta cretina. No meio de Vingadores, a sujeita solta:

"- Ah, amor, isso é mentira!"

Jura? Conta algo que eu não saiba Mãe Dinah da sétima arte! Pior é o namorado respondendo, ou melhor, inventando resposta, só para manter a pose:

"- Não, amor. Essa tecnologia já existe. Os raios gama..."

O cara nem sabe o que é raio gama. Aí me vêm uns planos, como os do Coyote no desenho do Papa-léguas para sacanear esses infelizes. Mas nunca faria nada disso mesmo, foi só pra desabafar. Mas de uma coisa eu tive coragem. Fui lá encarar a maluquinha, que continuava com o namorado no telefone.

"- Não fala isso (...) Você sabe que eu te amo, amor..."

"- Amiguinha? Com licença. Dá pra desligar esse celular e falar lá fora?"

"- Peraí, amor (...) Oi, tá falando comigo?"

"- Sim, por quê? Tem que ligar pro seu celular pra conseguir falar com você?"

"- Amor, tem um cara aqui falando comigo (...) Não, não conheço (...) Nãooo, ele não veio comigo, ele tava aqui no cinema (...) Não, a gente não marcou nada, nem sei quem é."

Pronto, eu pensei. Aquele mela-cueca todo, além de acabar com minha sessão solitária e minha paciência, agora ia acabar com o namoro da psicose.

"- Escuta, termina essa conversa lá fora, por favor."

O negócio ficou feio nessa hora. A maluquinha começou a chorar! Sabe quando faz até beicinho e começa a tremer? Uma cena, que por si só, valeu meu ingresso! Mas não consigo ver uma mulher chorando, ainda mais com cara de menina, que chorava por ter dois homens dando ordens opostas para ela. Para não contradizer nenhum do dois foi pra fora da sala de cinema. Voltei a ver o filme.

"- Aff... sabia que esse panaca iria morrer! Que previsível. Ham? O que? Como é? Extraterrestres com dupla personalidade é que estão assombrando a casa? Ah, não, chega! Filme muito ruim!"

Decidi que tinha coisa melhor pra fazer da vida do que ficar ali. Peguei minhas coisas e saí do cinema. No corredor, dei de cara com a psico, encostada numa coluna. Celular na mão, cabeça baixa. Foi inevitável sentir pena dela. Ela não era má. Só veio para o cinema, ver um filme que o namorado não queria, e sózinha, enquanto ele ensaiava. E só atendeu ao telefone porque não queria deixar o amado chateado.

Decidi dar uma segunda chance a Chris Flores campineira.

"- E aí? Fez as pazes?"

Ela apenas balançou a cabeça negativamente. Nisso, o celular dela tocou. Algo estalou na minha cabeça e quando dei por mim, já havia arrancado o telefone de suas mãos. Não houve reação, tamanho foi o choque com minha atitude. Ela ficou só olhando, enquanto eu rejeitava a ligação. Ficamos nos encarando por alguns segundos. Tive mesmo, tive muito medo de apanhar, de levar um tapa na cara, de ser notícia do Metro. Mas respirei fundo e disse:

"- Olha...você tá na merda. Esse filme é uma merda. Eu, bem, nem tô na merda, mas não tenho nada pra fazer. Quer tomar um café e ouvir uns conselhos?"

Ela olhou para o chão, para os lados, para trás e finalmente pra mim. Respirou fundo, segurou o ar nos pulmões por alguns segundos, expirou lentamente pela boca e disse:


"- Melhor que esse filme minha história é."


E sorriu.

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