Crônica - Indecisões


"- Ana! Ana!"

Ana olhou para trás, com seus apaixonantes olhos amendoados que o intimidavam. Diego não sabia de onde veio aquela coragem para chamá-la durante a aula. Desde o última primavera, quando ajudou Ana a estudar para as provas finais de Matemática, ele desejava que aquela amizade evoluísse. Ela recuperou as notas, passou a conversar mais com ele nos intervalos das aulas. Tocava-lhe os ombros, pegava eventualmente em suas mãos, beijava-lhe o rosto para cumprimentá-lo todas as manhãs. Ele, confuso, estava se apaixonando e tinha decidido que só a amizade de Ana não bastava. Desde que acordara naquela manhã, tinha decidido abrir seu coração para ela. Ele a chamou e ela estava olhando para ele. Após alguns segundos de silêncio ela respondeu:

"- Oi!"

Diego respirou fundo, engoliu seco, tentou não ser hipnotizado por aquele olhar e continuou:

"- Posso conversar contigo depois da aula?"

"- Aham, pode sim."

"- Pode ser lá no coreto da praça?"

"- Sim."

As aulas demoraram uma eternidade para passar. A todo instante, Diego olhava o relógio de parede em cima do quadro negro. Quando finalmente o sinal tocou, Diego pegou seu material e colocou na sua mochila, esperou por Ana, que ao se despedir de suas amigas  virou para Diego:

"- Estou pronta. Vamos?"

Aquela confiança que ela exalava deixava ele mais tímido ainda. Ele concordou com a cabeça e a seguiu. Já que tinha chegado até ali, Diego não poderia mais voltar atrás. O caminho até a praça foi em um silêncio consternante. Finalmente chegaram ao coreto. Ana colocou sua mochila no chão, encostada na parede, e soltou os cabelos.

"- Que calor!"

Diego concordou e então puxou a conversa. Começou por perguntar como estavam os estudos, a família. Ana percebeu que ele estava enrolando e foi dando corda, respondendo tudo o que Diego perguntava. No fundo ela entendeu porque Diego tinha chamado ela até ali. Passaram-se quinze, vinte, quarenta minutos. E a conversa fluía. Uma hora, uma hora e meia. E eles ali, conversando. O sol então se escondeu, um vento frio começou a assoviar as telhas das casas da vizinhança, anunciando uma chuva de verão. Eles passaram a entender tudo. Faltava apenas que um dos dois desse o primeiro passo. Quando de repente, uma gota pesada caiu na testa de Diego, que olhou para o alto e foi alvejado por mais gotas. A tempestade veio para dizer não por eles. Se despediram e cada um foi para a sua casa.

Nos dias que se seguiram eles estavam diferentes um com o outro e por causa da decisão mal tomada pela tempestade, a cumplicidade que foi estabelecida no coreto os tornou melhores amigos. Sempre conversavam, riam, choravam junto, mas nunca nenhum dos dois dava o passo derradeiro. Eles se formaram  no final do ano, ele foi fazer faculdade em Minas Gerais e ela acabou passando em um concurso em um banco público. O destino os separou. Vez ou outra, quando voltava para sua casa, Diego encontrava-se com Ana. Em uma das vezes que voltou, ela estava noiva e em outra, ela já tinha um lindo bebê, que ele queria que fosse dele. Diego resolveu também se casar com uma colega de faculdade. Não teve filhos e foram casados por cerca de vinte anos.

O tempo passou. Dois dias antes de morrer, Diego pediu para vê-la. Ana, já viúva, estranhou e, ao mesmo tempo, se alegrou com o convite. Mais que depressa, ela foi visitar seu amigo de escola. Quando ela chegou, invadiu o quarto de Diego, debruçou sobre sua cama. Ele então abriu os olhos, fitou os mesmos olhos amendoados pelos quais se apaixonara há 60 anos e perguntou: 

“- Ana, que bom que você veio. Você acha que vai chover daqui a pouco?”

Ela abriu um sorriso. 

“- Não, Diego. O céu está azul!” 

E deram o mais verdadeiro beijo de suas vidas.

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