Crônica - Convenções


"- Já deu."

Foi com essas duas palavras que ele deu por encerrado seu relacionamento de anos. A vida tinha sido bastante generosa com ele. Tinha uma boa casa, um bom emprego, viajavam todos os anos para o exterior, tinha histórias para contar. Nunca brigaram feio. Mas não era completo. Mergulhou de cabeça neste relacionamento porque alguns cobravam se já não era hora de dividir a vida com alguém, ter algo sólido e estável. Com tantas cobranças, achou que realmente tinha que fazer isso.

"- É... Acho que vocês tem razão."

Mas por que tinha que viver segundo as expectativas e convenções dos outros? Por não ter a resposta para esta pergunta, ou por ela nem ter sido formulada para ele até então, conheceu uma garota bonita, bacana, inteligente e de sorriso encantador, que de um jeito não inédito em sua vida, deixou ele também meio sem graça e fez ele refletir por alguns dias.

"- Por que não? Todos gostam dela, né? Vamos tentar..."

Em algumas semanas já namoravam mais sério. Em poucos meses foram morar juntos. Os amigos e parentes ficaram felizes com a notícia. Sua mãe esperava um casamento convencional, caminhando com seu filho pela nave da igreja central de sua cidade natal, mas se convenceu de que já estava bom. E ele se convenceu de que tinha feito o certo ao ver o sorriso estampado no rosto de sua parceira.

"- Acho que vamos ser felizes."

Os dias viraram semanas, as semanas meses e os meses anos. Ele notava que alguma coisa não estava certa, não estava completa. Aqueles amores felizes que ele acompanhou pelos livros e cinemas desde a adolescência, jamais aconteceu com ele nesse tempo todo. Até filhos, que ele tanto quis ter quando jovem, ele concordou em não conceber a pedido de sua parceira. Um dia acordou daquele transe que tinha mergulhado. Conversaram e ela também concluiu que não estava feliz. Não era o relacionamento que eles tinham sonhado quando jovens.

"- Já deu."

Pegou uma mochila surrada que o acompanhava desde os tempos de universidade. Não colocou dentro dela roupas e nem livros. Os velhos CD's de MPB e os DVD's de filmes do Spielberg ficaram na estante.  Ela estranhou que aquela separação coubesse em uma mochila e então fuçou para saber o que ele achava que era importante. Encontrou algumas fotos antigas, um caderno de capa dura, uma caneta azul com a tampa mordida e um pequeno cachorro de pelúcia velho e meio encardido. Riu alto.

"- Nossa! Que idiota!"

Ele partiu de táxi e foi embora para um pequeno hotel na entrada da cidade em que morava e lá, o bichinho de pelúcia que não o abandonara desde que nasceu, deu o abraço que ela, no final do relacionamento, negou. Pegou algumas fotos e reencontrou sua versão cheia de vida e viu como ele um dia já fora feliz. Espalhou sobre a cama e foi mostrando uma a uma para seu bichinho. Até que adormeceu. Leve, por não mais estar preso em convenções que os outros achavam certo. E naquela noite sonhou com um parque de diversões, maçã-do-amor e um passeio em uma grande montanha-russa.

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