Crônica - O Reencontro



"- Karina?"

"- Larissa."

Ele ficou vermelho de vergonha com o engano.

"- Desculpa, Larissa. A gente não se falava muito na escola, né?"

Ela sorriu simpática e tocou a mão no braço dele, tentando quebrar o gelo e aproveitando para tirar uma leve casquinha.

"- Eu sei! Não fica sem graça não. Eu lembro do seu seu rosto mas não do seu nome."

Na verdade ela lembrava superbem, mas sabia que ele não poderia jamais ganhar um elogio tão facilmente. Afinal, conhecia-o desde crianças.

"- Diogo. A gente sentava longe um do outro e..."

"- E eu era baranga e desengonçada."

Ele se surpreendeu com a direta dela e pensou em rir, mas significaria que ela estava certa e ele estava concordando, ou então poderia mentir e ser gentil, já que ele sabia que mulheres gostavam de caras gentis. Mas os segundos passaram e ele naquele silêncio constrangedor. Assim que ela o viu sem jeito, ela quem puxou a risada e disse:

"- Eu sei que eu era esquisitona. Não fica sem graça."

"- Imagina. Você não era nada disso. Você tinha uma beleza ... exótica!"

Ela não conteve o riso.

"- Como você é bonzinho!"

"- Mas agora você está mais diferente. Está mais..."

"- Gostosa?"

Ela perguntou sem a menor cerimônia. De novo, ele todo sem jeito, mas estava começando a gostar do ritmo da conversa e emendou:

"- Eu ia dizer bonita, mas não posso discordar de você."

"- Obrigada."

Agora foi a vez dela ficar levemente corada.

"- Mas então..." disse ele buscando tempo para demonstrar interesse sem parecer que estava exagerado.

"- Então?"

"- Veio ver um filme?"

"- Na verdade vim comprar um livro."

Ele até pensou em perguntar se ela estava acompanhada. Ela ficou esperando por essa pergunta, tentando não ser mais abusada. Mais alguns segundos de silêncio constrangedor. Se alguém estivesse ali ao lado acompanhando a conversa, veria claramente que estava rolando um clima. Na tentativa de recuperar a conversa, os dois recomeçaram juntos:

"- O que você..." disse ele.

"- Você sabe quem..." disse ela.

Ele se desculpou por interrompê-la.

"- Desculpa. Pode falar."

"- Que isso... Não foi nada..."

E ela ficou pensando no que ele iria perguntar.

"- Continua, Larissa. Quem eu..."

"- Eu ia dizer que você não sabe quem eu vi antes de te encontrar."

"- Alguma ex-professora?

"- Não. Vamos ver se você acerta. Uma dica: a garota que todos vocês meninos queriam pegar."

"- Alessandra Paquita?"

"- Ela mesma. Disfarça e olha ela ali, sentada no café."

Ele virou a cabeça na direção que ela apontou com os olhos. 

"- Onde? Não tô vendo..."

"- Ali, ó, na mesa do canto esquerdo."

"- Aquela perto daquela senhora?"

"- Que senhora?"

"- Aquela de branco."

"- Ela é a Paquita."

Ele se assustou, mas foi gentil e tentou disfarçar a bola fora que tinha dado e tudo que se passava em sua cabeça. Ela percebeu e emendou:

"- Viu como ela mudou? Ela era a gostosona, a popular. Com aquele rostinho de boneca e aquele corpão, nem precisava ser simpática e nem inteligente, né?"

"- Todo menino da sala colocava o nome dela nos trabalhos. Menos eu que não conversava muito com ela."

"- Ah, tá bom! Conta outra!"

"- É sério! Já você era mais quieta, sentava perto da mesa do professor e usava aqueles óculos modernosos..."

"- Você não existe... Modernosos aonde? Eram bizarros mesmo! Pode falar!"

"- Pode?"

"- Pode sim!"

Eles sorriram.

"- Tá, eram bizarros mesmo."

Ele confirmou e os olhos dela cintilaram.

"- Mas você tem contato com a Alessandra?"

"- Você quer saber como ela ficou assim, né?"

"- É, fiquei curioso."

O sorriso na cara dele entregou a surpresa boa que aquela situação toda significava para ele.

"- Tá, eu tenho uma teoria!" 

"- Me conta."

"- Mas é uma teoria de verdade. Até coloquei nome. É 'Beleza Excessiva na Adolescência'."

"- Ah, é? Me conte mais essa teoria."

Ele deu um passinho em discreto na direção dela. Ela percebeu a aproximação e fez um esforço sobre-humano para se manter focada na explicação.

"- Tipo... Quando uma garota, adolescente, é muito bonita, ela não tem que se esforçar para ganhar a atenção dos outros. Elas podem falar errado, gostar de pagode, vomitar em festas, que sempre vai ter os meninos se matando por um beijo delas."

"- Isso é verdade."

"- Enquanto aquelas que não arrancam suspiros têm que correr atrás de outras coisas, como ser divertidas, inteligentes, companheiras, e esperar o tempo passar para nossa revanche."

"- Revanche?"

"- Modo de dizer."

Eles riram e ela continuou:

"- No caso da Alessandra e de tantas outras, ela engravidou de um idiota, casou com ele, não fez faculdade, tomou um monte de chifres, se divorciaram e comeu uns 30 kg de chocolate ao leite recheado de tristeza e melancolia."

"- E você não fez nada disso e se especializou em ser engraçadinha."

"- Ah, eu era feia, né? Tinha que me esforçar e aprendi outros dotes."

"- E você não quer levar esses dotes e me mostrar no cinema?"

"- Isso é um convite?"

"- Bom... Você conseguiu me deixar sem graça várias vezes nesta nossa conversa. Nenhuma mulher conseguiu isso antes..."

A sinceridade dele a surpreendeu.

"- Desculpa... Falo sem pensar."

"- Tadinha. Quem fica sem graça sou eu, não você. E sim, é um convite. Vamos agora? Tem um filme com que começa daqui a pouco."

Ela não acreditava. Mais de dez anos depois, a feia do óculos bizarro do colégio, estava conversando de igual para igual com sua paixonite juvenil. Enquanto isso, a gostosa da escola mostrava toda sua falta de beleza no café do cinema. Mas depois de tantos anos, ela tinha que se mostrar por cima, que estava finalmente bonita, interessante e, porque não, interessada. Mas nem tanto. Afinal, Diogo era uma peça rara, um sobrevivente da 'Beleza Excessiva na Adolescência'. Continuava um gato, como nos tempos de colégio, mais forte, voz encorpada e ainda mais fofo. Ela precisava ser esperta. Ser diferente das mulheres que ele estava acostumado. Agiu como uma ex-feia e usou todas as suas habilidades adquiridas com o tempo, para testar o nível de interesse dele.

"- Diogo, eu realmente queria ir... Mas agora eu não posso."

"- Ah, que pena, você tem alguém, né?"

"- Não. Eu já tenho compromisso marcado mesmo. Vim só pelo livro. Mas fiquei feliz de te encontrar."

"- E outro dia?"

Larissa tentou disfarçar ao máximo e precisou olhar para baixo nessa hora. Não podia demonstrar interesse com o olhar e colocar tudo a perder.

"- Pode ser. Me passa seu telefone?"

"- Não, você quem vai me passar. Vai que a engraçadinha aqui resolve não me ligar!"

"- Tá bom. Pega um cartão meu, é mais fácil."

"- Hmmm... Que moral. Pode deixar! Eu te ligo."

Se despediram com um abraço perfeitamente simétrico, como se seus corpos se encaixassem e um beijo no rosto meio molhado por parte dele. Ele foi para o cinema, olhando o cartão e pensando nela. Ela foi com as pernas bambas tomar um pouco de ar até o banco mais próximo.

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