Crônica - Sentido


No parquinho em frente à escola, Dalton encheu o peito de coragem, atravessou correndo até encontrar Tainá brincando no balanço e ela, que já tinha notado a aproximação de seu amigo, foi parando até ele chegar:

"- Tainá, quer ser a minha namorada?"

Com sete anos de idade, no comecinho da segunda série, Dalton sabia de tudo e a sua vida tinha muito sentido. Já fazia um ano que estudavam juntos e Tainá, a menina com olhos cor de mel, parecia ser a namoradinha ideal: desenhava superbem, era inteligente, tinha letra bonita e no ano anterior deu dois abraços apertados nele. Tainá era a melhor amiga de Dalton, mas como os amiguinhos ficavam zoando com ele, se ela se tornasse namorada, na lógica dele, ele sairia bem na fotografia, o primeiro da turma a ter uma namorada.

"- Sério? Hmmm... Posso pensar?"

"- Pode!"

Os anos passaram e aquela cumplicidade de garotos foi rareando enquanto viravam adolescentes e depois adultos. Se distanciaram e o contato entre eles terminou no final do Ensino Médio. Tainá foi fazer faculdade e Dalton, como tinha que trabalhar, resolveu fazer cursos livres. Após alguns anos, Tainá depois de terminar a faculdade foi trabalhar na capital e Dalton, cansado da falta de oportunidades, foi se aventurar pelo mundo. Na cidade grande, Tainá encontrou primeiro um bom emprego em um banco privado e, alguns anos depois, um amor que em menos de um ano a levou ao matrimônio. Dalton enquanto isso viajava de país em país, aprendendo idiomas diferentes com a mesma facilidade com que fazia amigos. A distância entre eles só aumentava e não tinham mais notícias um do outro.

Em outros cinco anos o amor no casamento de Tainá tinha acabado e o divórcio foi inevitável. Dalton colecionava histórias e fotografias e resolveu que era hora de voltar ao país. Tainá resolveu fazer curso de fotografia e após dois meses de aula, sua professora disse que haveria uma exposição no centro da cidade. Ao chegar na exposição, qual foi a surpresa de Tainá ao encontrar Dalton, após mais de dez anos.

"- Oi, Dalton! Ainda lembra de mim?"

Dalton, feliz com a surpresa e num gesto de empolgação a abraçou e, como era mais alto, tirou-a do chão de tanta alegria:

"- Tainá, quanto tempo! Como você tá, menina?"

"- Bem! E você?"

"- Estou ótimo! Aceita tomar um cafézinho comigo para colocarmos a conversa em dia?"

"- Se não for te atrapalhar..."

"- Você nunca me atrapalha, gata! Nunca!"

No café, Dalton contava sobre sua vida em três continentes diferentes e Tainá prestava atenção em tudo. Depois Tainá contou sobre a vida na cidade grande e o casamento. O café depois puxou um choppinho, que mais a noite virou um cinema e no escurindo do filme, Dalton lembrou daqueles olhos cor de mel que o hipnotizavam quando garoto e roubou um selinho de Tainá, que não era beijada desde o ano anterior. A vida começou a fazer sentido de novo para Dalton, como um dia fez há vinte anos atrás.

Se encontraram uma segunda, terceira, quarta vez. O selinho virou, ao longo dos encontros, um beijo de cinema. Quando foi levar Tainá para casa, Dalton viu que em frente ao condomínio havia uma praça e um parquinho. Convidou Tainá para ver um pouco da lua cheia que iluminava o céu naquela noite. Ela se sentou no balanço e a memória do dia em que ele a pediu em namoro veio à tona. Ele a olhou e tentou dizer algo:

"- Tainá, eu que... que... que..."

Tainá vendo que Dalton gaguejava, o interrompeu com um gesto leve pedindo silêncio:

"- Shiu!"

Ele emudeceu e Tainá continuou:

"- Agora é minha vez: Dalton, quer ser meu namorado?"

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