Crônica - Minha Vó


"- Bença, vó!"

"- Quem é você?"

"- Sou o Bruno, vó! Sou seu neto."

Minha avó, primeiro começou a esquecer os nomes de todos os netos, não muitos, éramos em seis. O meu nome foi o segundo ou o terceiro. Depois, ela começou a esquecer as músicas que ela tanto gostava. Misturava uma letra aqui ou com outra acolá. Mais pra frente, as novelas, os livros, as orações. Outro dia, começou a se despir na frente de todos nós. 

"- A mamãe está ficando caduca!"

"- Pára, tia! Não é assim que se fala mais hoje! É mal de Alzheimer!"

"- Você pode até achar isso, Bruninho! Mas eu ainda acho que está ficando caduca!"

O Alzheimer era um mal estranho. Ela esquecia algumas coisas e outras ela lembrava vivamente. Mas a gente ia percebendo que as memórias da minha avó iam sumindo em uma velocidade maluca. Era estranho, mas no final, só uma lembrança parecia ser forte o suficiente para vencer o vazio que se instalava: a do primeiro encontro com o homem de sua vida, meu avô. Quantas tardes eu não encontrei ela na janela, com um vestido florido e maquiagem discreta, esperando por ele?

"- Vó, sai do sol!"

"- Quem é você?"

"- Sou eu, vó, o Bruno."

"- Ah... Eu estou esperando ele. Você me acha maluca, né? Mas ele vem."

E assim passaram a ser aquelas tardes de outono. Quem teimasse em questionar o que ela fazia na janela, ela simplesmente respondia:

"- Ele vem."

Então um dia, o marido e companheiro de décadas, passou a lhe trazer flores todas as tardes, para um cortejo como os de antigamente.

"- Eu não falei que ele vinha?"

Até que, numa noite de inverno, ela disse para todos na hora do jantar:

"- Ai... Ele me conquistou. Estou apaixonada. Vou embora com ele."

"- Ele quem, vó?"

"- O amor da minha vida!"

Depois do jantar ela dormiu um sono muito longo. Meu avô? Esse carinha ainda leva flores todos os dias para ela.




(Homenagem ao Dia da Vovó. Para quem não sabe, é dia de Santana, ou Santa Ana, avó de Jesus. Por isso a escolha do dia.)

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